Poucas pessoas foram e permanecem tão injustiçadas quanto o ex-deputado, líder operário-camponês Floriano Bezerra de Araújo. Floriano viveu glórias de epopeicas vitórias e também, em sentido contrário, pagou caro por sua prática emancipatória, por cumprir seus deveres, ser homem correto, honesto, dinâmico, destemido e leal para com seus liderados. Durante a ditadura de 1964 foi cassado político, perseguido e preso sob acusação de ser comunista maoísta, subversivo incendiário. Sobreviver a uma tragédia desse tipo é muito difícil. Mas Floriano venceu e de mãos limpas escreve aos seus contemporâneos e aos seus pósteros, através do seu CADERNO DE MEMÓRIAS. Veja o texto que nesta sexta-feira, 25Out19, partilho em primeira mão com os meus amigos e amigas do Facebook.
QUARTETO DE MEMÓRIAS
Recordo. Conheci de perto o doutor José Pedroza em 1962, em Natal, Petrópolis, no seu Hospital Médico Cirúrgico, inconcluso, com outras dependências em construção no dia a dia. Nesse primeiro contato pessoal, disse-lhe: “Sou Presidente do STI da Extração do Sal de Macau e, do SESTIS – Serviço Social dos Trabalhadores na Indústria do Sal. Gostaria de mandar-lhe os nossos doentes (homens e mulheres) para o senhor e sua equipe hospitalar os atender com presteza. Nossos pagamentos pelos serviços realizados são feitos mês a mês até o dia 28, desde que as contas nos sejam apresentadas em nossa tesouraria, em Macau. Ou, fora dessas observações, o nosso tesoureiro Manoel Alves Guimarães, eu ou minha esposa Francisca da Fonseca Ribeiro de Araújo, poderemos vir efetuar o pagamento pessoalmente”.
O diálogo continuou e o Dr José Pedroza disse: “Muito bem. Tudo certo. Estou ciente do seu belo trabalho sindical na cidade de Macau, sei disso através da rede hospitalar aqui em Natal. Só tenho a agradecer essa sua deferência para com meu hospital e confiança no nosso trabalho. Pode mandar o seu pessoal para essa unidade hospitalar, em demanda dos nossos serviços de saúde.” Francisca, minha mulher, assim lhe apresentei. No momento, disse eu pra Francisca. “Mostre ao médico esse seu sinal no rosto, como ele está”. Dr. Pedroza olhou e disse: “Dona Francisca, amanhã às 10 horas venha aqui mais Floriano. Vou fazer esse pequeno procedimento cirúrgico. O sinal está normal e tudo findará bem. Fique tranquila”. Tudo aconteceu conforme previsto.
Outrossim. Dias após a extração do sinal de Francisca, em Macau, eu conversava com meu pai Venancio Zacarias de Araújo (in memoriam), observei que ele apresentava uma protuberância na mama direita, já a olhos vistos. Perguntei. Respondeu: Faz uns 2 meses que o inchaço apareceu. Respondi: Certo. Vou leva-lo ao Dr. Pedroza no Hospital Médico Cirúrgico. E assim o fiz. Dr. Pedroza olhou a saliência no peito de meu pai, apalpou-a e perguntou: Seu Venancio, isso dói? Respondeu: Não. Certo. Não se preocupe, não é nada perigoso. Vamos extraí-lo agora. Aplicou a anestesia local, pegou o bisturi, cortou em cruz o inchaço e extraiu um nódulo sebáceo. Ponteou devidamente a região cirurgiada e disse: Olhe. O Senhor tomava Vitamina E? Sim. Não faça mais isso. A vitamina E em dose diária produz esse resultado.
Lembro-me. Certo dia do ano de 1962 comecei sentir uma dor insuportável na cabeça do ombro na junção com o braço esquerdo. Estava Macau. Vim a Natal às pressas mais minha mulher ao Hospital do Dr. Pedroza. Na chegada fui atendido pelo médico Cipriano Correia. Este me aplicou uma injeção de Citoneurim (embalagem de 3 ampolas) e avisou: “Antes vai parar a dor na sua intensidade. As duas outras ampolas leve para Macau e as aplique dia sim dia não. Cumpri orientação médica, a dor sumiu e nunca mais apareceu. Dr. Cipriano não aceitou pagamento pelo seu atendimento e me disse que a injeção era de amostra grátis que recebera do laboratório.
Carrego comigo uma grata lembrança. Era novembro de 2008, não lembro o dia. Numa tarde noite, meus filhos Rosenberg, Renan, Siluck, Saly, Salusa, Samita e seu filho Iuri. Levaram-me a assistir o Projeto Sol Poente no Potengi. Foi um momento alegre para todos nós. A suave brisa marinha, o sol poente e os acordes musicais, as pessoas felizes e meus filhos comigo, tudo isso junto, levaram-me a pedir uma caipirinha a fim de esquentar um pouco para não bater o queixo, no dizer popular. Os meus de família comentavam a magia do momento cultural. Cantores, poetas declamadores e outros artistas animavam o evento. Havia dezenas de pessoas no ambiente, vários estrangeiros entre eles. O vozerio era uma babel. Não esperava viver tão feliz acontecimento. No instante vi e ouvi quando o amigo militante da cultura José Tovar, entrou na ribalta e soltou sua voz tonalizada; cantava a Serenata do Pescador (Praieira), de autoria do poeta/cantor potiguar Othoniel Menezes. E lá vai Tovar: “Praieira dos meus amores, encanto do meu olhar...”. Após cantar, Tovar disse. Ofereço essa canção ao amigo lutador social, ex-deputado estadual Floriano Bezerra de Araújo, presente ao por do sol. Houve aplauso geral. Surpreso, naquele instante consegui cruzar as mãos num gesto agradecido pela grata lembrança.
Agora volto a 1936, na Fazenda Floresta dos meus avós paternos. Várias noites cacei animais silvestres mais meu tio Antonio Zacarias e o cachorro Serigado. Numa delas, nosso cão caçador correu atrás de um ‘tatu verdadeiro’. Após certa distância, o animal teria entrado num buraco no tronco de uma catingueira. Serigado sem perda de tempo começou a cavar. Em lugar do tatu havia folhas secas e muitas penas que esvoaçaram pelo ar. Isso bastou para que o nosso mascote de caça viesse ficar a mijar em nossos pés, e não quis mais caçar. Aí meu tio Antonio olhou para mim e disse. Vamos regressar a nossa casa. Hoje não tem mais caçada. Ora ora. Isso me fez lembrar estripulias de duendes, nada mais.
ALBORES DA MANHÃ
A manhã tem seus albores
Que encantam os olhos
Traz o frescor matinal
Das rosas, os aromas
Mais perfumes
Que suavizam
A nossa mente
Dos pluriversos siderais
O nosso ego, a ensimesmar
A fazer o nosso
Pensar chegar
Às alturas desenhadas
Ah Dos mundos!
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